A revanche dos canhotos |
Eles reclamam que o mundo foi feito para os destros, mas recebem salários até 26% mais altos |
Por Camilo Vannuchi |
O aluno percorre a sala em busca de uma cadeira com o braço do lado esquerdo. Não encontra. A única já foi ocupada por outro canhoto. O aluno segue cabisbaixo para uma cadeira convencional e se contorce para fazer as tarefas. Não pode usar uma caneta muito úmida para não borrar o caderno nem sujar as costas da mão. Tem dificuldade em usar a tesoura por não enxergar o fio de corte e se atrapalha ao manusear o mouse. O aluno fica bravo porque o mundo não foi feito para pessoas como ele. Em latim, esquerdo é sinistro, sinônimo de sombrio e de má índole. Em francês, é gauche, desajeitado. Em italiano, mancino é o mesmo que desonesto. No Brasil, canhoto é um dos nomes do demo, do coisa-ruim, do cramulhão. Tidos como errados, tortos, atrapalhados, os canhotos enfrentaram diferentes formas de preconceito ao longo da história, a ponto de até hoje alguns pais obrigarem os filhos a pegar o lápis com a mão direita. A boa notícia para eles é que os canhotos, segundo estudo recente, costumam ser mais bem remunerados do que os destros. Nunca foi tão prazeroso assinar um cheque com a mão esquerda.
Autores da pesquisa publicada no National Bureau of Economic Research, os economistas americanos Christopher Ruebeck, Joseph Harrington Jr. e Robert Moffitt constataram que os canhotos com passagem pelo ensino superior recebem salários 15% mais altos do que os destros com a mesma escolaridade, enquanto os que concluíram a graduação ganham até 26% mais. A avaliação foi feita a partir de entrevistas anuais com cerca de cinco mil pessoas que tinham entre 14 e 21 anos em 1979. Desde aquela data, o grupo foi acompanhado pela equipe a fim de se comparar a remuneração de cada integrante. Curiosamente, a vantagem dos canhotos não se repete entre os trabalhadores que cursaram apenas até o ensino médio, o que parece indicar que eles têm maior “retorno financeiro” sobre cada ano estudado. A primeira hipótese, portanto, seria atribuir aos canhotos maior capacidade de aprendizado e assimilação de conteúdo, embora os responsáveis pelo estudo não tenham apresentado justificativas para o fenômeno.
Para o professor de neurofisiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Luiz Eugênio de Mello, a constatação pode ser indício da valorização pelo mercado de quesitos como criatividade e sensibilidade. “Enquanto os destros processam a linguagem no hemisfério esquerdo do cérebro, região que comanda a razão e a lógica, os canhotos são controlados pelo hemisfério direito, espaço das emoções e da intuição”, resume. “Eu sou bastante intuitiva”, reconhece a empresária e professora de marketing de moda Helena Augusta, 34 anos. Para tirar a habilitação de motorista, 15 anos atrás, Helena penou para aprender a trocar de marcha com a mão direita. Hoje, tem dificuldade em usar certas pás de bolo e facas de peixe que, segundo ela, só podem ter sido inventadas por destros. Recentemente, Helena reformou a casa e teve o cuidado de deixar bastante espaço entre a pia do banheiro e a parede da esquerda, procedimento necessário para não machucar o cotovelo ao escovar os dentes. “Desde criança, o canhoto é induzido a se virar em ambientes hostis. Acho que essa capacidade de adaptação se transforma em ponto positivo na vida profissional”, diz.
Filhos de pais canhotos têm 40% de probabilidade de herdar esta característica, enquanto menos de 5% dos filhos de pais destros são canhotos. No mundo, uma em cada dez pessoas usa preferencialmente a mão esquerda. Alguns, por imposição social ou facilidade de adaptação, aprenderam a usar também a mão direita e, por isso, são ambidestras, como Leonardo da Vinci. Há ainda aqueles que usam uma ou outra mão dependendo da função. Não é raro encontrar canhotos que tocam guitarra ou usam o mouse como destros, provavelmente por terem se acostumado aos objetos “tradicionais” antes de conhecer as versões modificadas. “Eu escrevo e jogo futebol com o lado esquerdo, mas só consigo arremessar a bola de basquete com a mão direita”, conta o publicitário Marcelo Conde, 28 anos. “Como sou melhor no futebol e na escrita do que no basquete, prefiro dizer que sou canhoto”, brinca. Quando Marcelo era criança, o pediatra pediu que ele fosse até a porta e olhasse pela fechadura. O garoto escolheu o olho esquerdo. Hoje, Marcelo é o único canhoto dentre os sete redatores do escritório paulistano da agência W/Brasil. “Só me falta avisar os diretores sobre a pesquisa para pedir os 26% de aumento”, arrisca, bem-humorado. Pelo visto, agora vai ter pai amarrando a mão direita do filho para ajudá-lo a se tornar canhoto. O salário compensa.
http://www.zaz.com.br/istoe/1922/comportamento/1922_revanche_dos_canhotos.htm